Uma foto de um menino ao
lado de duas onças-pintadas viralizou nas últimas semanas, na internet. Alguns
acharam que era montagem, mas a imagem é real
Um garoto
acompanhado de duas onças-pintadas em uma lagoa. Ele demonstra conforto com a
situação e faz carinho em um dos felinos, enquanto o outro animal está com uma
pata encostada no ombro esquerdo do jovem.
A cena, que causou
estranheza nas redes sociais nas últimas semanas, faz parte da rotina de
Tiago Jácomo Silveira, de 12 anos, desde que ele era recém-nascido.
A imagem do garoto
foi publicada, inicialmente, pelo próprio pai, o biólogo Leandro Silveira, de
49 anos.
Depois, a
fotografia foi compartilhada em páginas de Facebook e perfis do Instagram.
Em uma publicação
feita no dia 23 de novembro, um usuário do Facebook compartilhou a imagem de
Tiago com as onças. A fotografia teve mais de 2 mil compartilhamentos e 22 mil
reações, sendo as mais comuns delas o "amei" e o "uau". Na
postagem, não há explicação sobre a origem do registro. Nos comentários, alguns
disseram tratar-se de montagem, enquanto outros elogiaram a coragem do jovem.
Para Tiago, a
repercussão da foto foi uma surpresa, pois considera se tratar de uma situação
comum em seu cotidiano. O garoto frisa que muitas pessoas se surpreendam com o
fato de ele conviver com onças-pintadas.
"Eu tenho
alguns amigos que não acreditam nisso, acham que é 'fake'. Mas a maioria dos
meus conhecidos acha isso muito legal e tem vontade de conhecê-las. Eu acho
muito bom poder levar um pouquinho dessa experiência de vida que tenho para
outras pessoas que não tiveram a mesma sorte que eu", contou.
Além do pai do
garoto, a mãe, Anah Tereza Jácomo, de 49 anos, também é bióloga. Os dois
coordenam o Instituto Onça-Pintada (IOP), que tem o objetivo de preservar e
estudar o maior felino das Américas.
"O meu filho
nasceu em um ambiente com onças-pintadas. Então, ele convive bem com elas desde
a infância e sabe como lidar. Logicamente, a gente o instrui e impõe limites,
mas hoje ele já sabe o que fazer ou não. É uma questão muito natural para
ele", diz Leandro.
Crescendo com as onças-pintadas
Em razão do
convívio que teve com os animais desde pequeno, Tiago sempre considerou natural
a proximidade com onças-pintadas. "O referencial dele é baseado na gente.
Ele foi crescendo e aprendendo os limites, vendo o que poderia ou não fazer.
Mas, para ele, é algo muito comum esse relacionamento, porque foi criado em um
ambiente rural. Esse é o cotidiano dele. Não há nada de absurdo", afirma
Leandro.
O garoto se
considera privilegiado por ter se relacionado com as onças-pintadas desde
pequeno. "Sempre foi uma relação de amor e respeito. Sempre gostei muito
disso e sempre ajudei a cuidar dos animais", comenta.
Tiago ressalta que
segue as instruções dos pais para lidar com os bichos. "Eles me ensinaram
que o medo e o respeito são sentimentos importante e inteligentes. Porque
quando você não tem medo e não respeita o animal, você não respeita o limite
dele e, por isso, ele também acaba não te respeitando", pontua.
Limites do convívio
Os pais de Tiago o
ensinaram desde pequeno como deveria se comportar perto das onças.
Desde que o filho
era menor, Leandro ensinava ao garoto sobre a conduta que ele deveria ter com
as onças-pintadas. O biólogo costuma passar os mesmos ensinamentos a pessoas
que desconhecem informações sobre o felino.
"Esses animais
não agem contra o ser humano, no sentido de nos ver como presas. Eles reagem às
nossas ações. Então, é importante respeitá-los. Por exemplo, se ele está
comendo ou nervoso, ele avisa que não quer proximidade, pela linguagem
corporal, então é importante respeitar", diz. Segundo a bióloga, nunca
houve incidente entre o garoto e as onças - e ela comenta que nunca deixou o
filho sozinho com os animais.
Na imagem que
repercutiu nas redes sociais, uma cadela da raça blue heeler aparece próxima
aos felinos. Os bichos mantêm uma relação de proximidade.
Na Organização Não Governamental (ONG), há outros animais, normalmente encaminhados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), como veados, macacos e lobos-guará. Segundo Leandro, todos vivem em harmonia.
O IOP está
localizado na região rural de Mineiros, no interior de Goiás, em uma
propriedade de 50 hectares, pertencente ao casal de biólogos. O instituto não é
aberto à visitação, para evitar incômodo aos animais ou prejuízo aos estudos
realizados no lugar.
Amor por onças-pintadas levou à criação de
instituto
Leandro se encantou
pelas onças-pintadas ainda na infância, quando assistiu a um documentário sobre
os felinos. Anos depois, a paixão pela espécie o levou a cursar biologia. O
primeiro estágio dele foi em um projeto que lidava com onças-pintadas. "Foi
a primeira vez em que tive contato com a espécie. Depois, nunca mais parei de
trabalhar com ela", relata.
Na universidade,
ele conheceu Anah, que também cursava biologia. Os dois são de Goiás. Desde a
época em que eram estudantes, desenvolvem atividades com o maior felino das
Américas. Em junho de 2002, criaram o Instituto Onça-Pintada. O principal
objetivo deles era estudar a espécie e ajudar a preservá-la.
Anos após a criação
do instituto, uma equipe do Ibama perguntou se Leandro e Anah tinham interesse
em receber onças-pintadas recém-nascidas, que eram órfãs e haviam sido
resgatadas da natureza. O casal, que não tinha a criação dos felinos como
objetivo inicial, aceitou. Para acolhê-los, elaborou um criadouro científico,
que hoje ocupa metade da propriedade rural.
O IOP está
localizado dentro do sítio. Além de 25 hectares para o criadouro, o lugar
também é dividido entre a parte destinada aos animais de outras espécies, a
área utilizada para os estudos desenvolvidos por profissionais que atuam no
instituto e a residência da família.
O instituto é
mantido com doações de empresários ou pessoas físicas e por meio de recursos
particulares do casal de biólogos.
"É uma eterna
busca por recursos. Nunca são valores governamentais, porque o poder público
nunca nos ajudou. Ultimamente, temos apoio de empresas. Mas 95% dos recursos
têm sido particulares, meus e da Anah, por meio de assessorias que
fazemos", diz Leandro.
No IOP, atualmente
há 14 onças-pintadas. Destas, quatro são filhotes, dois são jovens e há oito
adultos. Na última década, 35 felinos passaram pelo lugar. Normalmente, os que
deixam o instituto são encaminhados para outros criadouros, para auxiliar na reprodução
e preservação da espécie.
As onças-pintadas que chegam recém-nascidas ao criadouro não retornam à natureza porque a principal ameaça a elas, segundo pesquisas do IOP, são os pecuaristas.
"Nesse
sentido, consideramos um contrassenso devolver à natureza um animal que já veio
para o cativeiro fruto desse conflito", explica Anah. Outro motivo que faz
com que os felinos sejam encaminhados a outro criadouro é a necessidade de
contato com humanos, que eles desenvolvem no início da vida, por meio da alimentação
ou de outros cuidados básicos, em razão da ausência da mãe.
"Esses animais
dificilmente perdem o elo com a presença humana e, se soltos, muito fatalmente,
caso se aproximem de locais com a presença humana, podem acabar sendo
abatidos", acrescenta a bióloga.
Ameaça de extinção
A onça-pintada está
presente em 21 países, entre eles Argentina e Estados Unidos. Em alguns, como
Uruguai e El Salvador, ela foi extinta. O Brasil concentra a maior parte delas,
abrigando 48% da espécie de todo o mundo. No país, o animal também está
ameaçado de extinção.
"Temos de 20
mil a 30 mil onças-pintadas no Brasil. Elas são consideradas ameaçadas porque,
ao longo dos anos, perdemos mais de 50% da distribuição original delas. A
tendência é que, como todos os grandes predadores mundo afora, caso não haja
política de conservação, ela seja extinta."
"É um animal
que compete com condições humanas, tem riscos aos seres humanos. Então, a
tendência do homem é eliminar. Tudo o que gera riscos, gera prejuízo. Se não
criarmos uma política direta de compensação aos prejuízos que esses animais
causam, ele vai ser eliminado", pontua. Segundo o biólogo, não há nenhum
tipo de ação do poder público para a preservação dos felinos.
Foto da onça com o
menino
As onças-pintadas correm o risco de serem
extintas no futuro
Muitos dos filhotes
que chegam ao IOP se tornaram órfãos após as mães serem mortas por produtores
rurais, enquanto saíam em busca de alimentos para os filhos.
Um dos principais
trabalhos do IOP é conscientizar a população sobre a preservação das
onças-pintadas. Os principais alvos da iniciativa são os produtores rurais.
Para auxiliar no
diálogo com eles, o instituto criou o Certificado Onça-Pintada. "Propomos
valorizar os produtos de proprietários que se comprometem a tolerar os prejuízos
causados por onças e jamais abatê-las", diz Anah. Segundo ela, 170 mil
hectares de fazendas já aderiram ao selo. "O nosso objetivo é atingir 1
milhão de hectares em 10 anos", revela.
Anah explica que a
importância da conscientização dos produtores rurais ocorre porque, no Brasil,
70% das terras estão em áreas privadas. "As unidades de conservação,
sozinhas e isoladas, não têm tamanho e não asseguram a conservação da
onça-pintada em longo prazo. Dessa forma, ela precisa do proprietário rural para
ter a chance de sobreviver", pontua a bióloga.
Preocupação com o futuro
A luta pela
preservação das onças-pintadas é conhecida por Tiago desde a mais tenra idade.
Há um ano, ele deixou o sítio onde morava com os pais, na sede do IOP, para se
mudar para Goiânia, para estudar.
O garoto, que está
no oitavo ano do ensino fundamental, sente saudades da convivência diária com
os bichos.
"Está sendo
muito difícil ficar longe dos animais, porque convivi com eles desde pequeno.
Toda vez que volto para a casa dos meus pais, sinto que os animais também
sentem saudade de mim. Eles me reconhecem e brincam comigo de uma maneira
diferente. Isso é muito gratificante, porque vejo que o amor e o carinho que
dei para eles anos atrás está sendo retribuído", diz o estudante.
Tiago visita os
pais a cada três meses. A foto que viralizou na internet foi tirada durante o
feriado da Proclamação da República, em 15 de novembro. No futuro, ele não quer
continuar distante do lugar onde nasceu. O garoto planeja cursar biologia e
retornar para o sítio da família, onde quer dar continuidade à iniciativa
desenvolvida pelos pais.
"Quero fazer
biologia, mas não para ser professor. Quero trabalhar com os animais, na
prática. Pretendo dar continuidade ao instituto e ajudar meus pais, porque essa
é uma causa muito nobre. A gente está tentando salvar uma espécie de extinção e
realmente quero continuar com essa luta", declara. (R7 BICHOS).
0 Comentários