Ela disse que foi
resgatada no último suspiro e que já estava se preparando para morrer
Thalyta Cristina de
Oliveira Souza, de 15 anos, estava na profundeza da lama em Brumadinho, em
Minas Gerais, prendendo a respiração para tentar subir - e já estava
"preparada para morrer" quando enfim conseguiu alcançar a
superfície.
"Ela levantou
o braço e pediu socorro, mas já estava no último momento de suspiro, não
aguentava mais", diz seu cunhado, José Antônio Soares Pereira, de 46 anos
- o único que não estava em casa quando a barragem rompeu. Ele tem sido o
porta-voz da família, repassando os relatos que ouviu das parentes
hospitalizadas.
Imagens de Thalyta
coberta de lama, sendo resgatada por bombeiros em um helicóptero, circularam o
mundo antes que se soubesse seu nome.
O vídeo captado
pela TV Record se tornou um dos registros mais emblemáticos da tragédia, com a
aeronave quase encostando no terreno movediço, e a jovem sendo puxada com as
pernas balançando, sem controle do corpo da cintura para baixo.
Thalyta quebrou a
bacia e o fêmur ao ser engolida pela onda de lama despejada após a ruptura da
Barragem I da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.
"Ela relatou
para mim depois que estava sentindo dor, muita dor, que não sentia mais a parte
de baixo do corpo", diz José Antônio à BBC News Brasil.
Thalyta está
internada na unidade de tratamento intensivo do hospital de pronto-socorro João
XXIII, junto com sua irmã mais velha, Alessandra de Souza, de 43 anos, esposa
de José Antônio.
Ambas conseguiram
se salvar ao serem puxadas da lama pouco após o acidente por vizinhos que
chegaram em busca de sobreviventes e as mantiveram à tona. Depois, foram
resgatadas pelos bombeiros.
Mas a filha de
Alessandra e de José Antônio - Lays Gabrielle, de 14 anos - está desaparecida
desde sexta-feira.
"A minha
esposa está toda inchada, toda roxa, e só faz perguntar por ela", conta
José Antônio. "A Lays era tudo para nós. Era a única filha que a gente
tinha."
Thalyta havia
chegado a Brumadinho havia apenas quatro dias antes para morar com a irmã mais
velha depois que a mãe das duas faleceu, há quatro meses. Ela morava em Várzea
de Palma, no norte de Minas, de onde toda a família vem.
As duas irmãs têm
relação de mãe e filha por causa da diferença de idade, de quase 20 anos, e
Thalyta foi criada como irmã de Lays, apenas um ano mais jovem.
'É como estar
dentro de um liquidificador gigante'
As três estavam em
casa, se preparando para almoçar, quando onda de lama chegou.
José Antônio conta
que Alessandra ouviu um barulho enorme e gritou para todas correrem, e cada uma
fugiu para um canto. Thalyta ouviu um grito de dor da Lays - e depois não houve
mais sinal da jovem.
"A onda era
tão grande, tão imensa, mandava você para um lado, para o outro - esses são os
relatos delas, você achava que estava embaixo, estava em cima", descreve
José Antônio.
"A única
imagem que a gente tem é como se você estivesse dentro de um liquidificador
gigante, sendo girada de um lado e para o outro, e sendo esmagada por pedra,
pau, ônibus, veículo, porta, tudo que estava vindo para baixo, esmagando as
pessoas, quebrando tudo."
Alessandra
conseguiu ir para um lugar com menos correnteza e logo chegaram dois moradores
que ajudaram a puxá-la da lama. "Ela gritou, 'salve minhas duas filhas lá
no meio!' Aí um deles ficou com a minha esposa e o outro afundou na lama para
ajudar a Thalyta. Ele conseguiu puxar ela para um lugar mais raso, nas margens
da lama, e ficou dando apoio para ela, conversando, fazendo ela ficar acordada
até os bombeiros chegarem", conta.
Casa e pousada
devastada
A família vivia na
Pousada Nova Estância - o charmoso hotel que costumava hospedar celebridades e
receber turistas que vinham a Brumadinho para conhecer o Inhotim, centro de
arte contemporânea. José Antônio era superintendente de serviços gerais desde
que o hotel abriu, há dez anos, e tinha uma casa dentro da propriedade, cercada
de verde em uma área de proteção ambiental.
"Eu tinha uma
paixão imensa pela pousada. Aquilo era lindo, maravilhoso, um lugar encantador,
admirado por todo mundo."
Naquela
sexta-feira, por acaso, José Antônio havia ido resolver pendências em Belo
Horizonte. Um amigo ligou dizendo que tinha havido um rompimento da barragem.
"Eu não entendi. Não imaginava o grau. Achei que uma quantidade pequena de
água havia vazado. Quando liguei a rádio que fui entender a dimensão."
José Antônio
conseguiu ter notícias de que a esposa e Thalyta estavam a salvo - mas correu
para o local atrás de sinais de sua filha.
Não havia mais
casa, pousada, nada. As construções charmosas, o paisagismo cuidadoso, os
ateliês de cerâmica e pintura dos proprietários, Cleo e Márcio Mascarenhas, o
trabalho de anos de dedicação dos donos e dos funcionários - tudo estava
submerso em um mar de lama.
Arquivo Pessoal 'A onda era tão grande, tão imensa, mandava você para um lado, para o outro', conta José Antônio, repetindo relato que ouviu das parentes que sobreviveram ao desastre |
José Antônio registrou a devastação em seu celular, percorrendo o horizonte coberto de lama. No vídeo, ele se emociona ao encontrar o cachorro da filha, Bob. "Olha quem eu achei aqui. Olha que beleza. Achei o Bobinho. Mas não achei a minha filha", diz, emocionado.
“Tsunami' sem alarme
A onda que desceu
da barragem foi tão violenta que a pousada se deslocou de lugar, segundo o
Corpo de Bombeiros.
Cristina, Crioula,
Jussara, Robinho são alguns dos funcionários que estão desaparecidos, além de
turistas que estavam na pousada, como cinco membros da mesma família, entre
eles Luiz Taliberti Ribeiro e sua noiva, Fernanda Damian de Almeida, que está
grávida. Eles moram na Austrália haviam acabado de chegar para conhecer o
Inhotim.
O corpo da
proprietária, Cleo Mascarenhas, foi identificado nesta terça-feira.
Hoje, José Antônio
lembra com amargura as visitas de funcionários da Vale no ano passado, fazendo
o levantamento de bens dos moradores e da pousada, instalando sirenes e
oferecendo treinamento para evacuação rápida do local.
"Na época,
falaram que não tinha chance nenhuma de a barragem romper. Nós ficamos seguros
com isso", lembra. Mas o alarme não soou.
"Centenas de
vítimas foram escavadas por um tsunami de lama por negligência da Vale. Se
tivesse acionado a sirene, teria salvado centenas de vítimas. É uma revolta,
uma dor terrível."
Ele já não tem
esperanças de encontrar Lays com vida, e relata que Thalyta tem dito que
deveria ter morrido em seu lugar.
José Antônio clama
por justiça - e para que em Brumadinho não se repita a morosidade que se viu
após a tragédia de Mariana, que até hoje não teve culpados condenados.
"A dor é muito
grande. Perdemos nossas famílias, nossos pertences, nossas lembranças. Nada vai
trazer isso de volta", diz.
(Matéria do MSN)
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