Mesmo com tratamento
barato, a infecção sexualmente transmissível teve um aumento de casos nos
últimos anos
Um crescimento
silencioso da sífilis avança no Brasil e a maioria dos infectados talvez
nem saiba que está transmitindo a bactéria. O último boletim epidemiológico do
Ministério da Saúde, divulgado em outubro do ano passado, traz números
alarmantes sobre o tema e chama atenção para a necessidade de investimento no
diagnóstico precoce da doença, que pode causar sequelas nos olhos, coração,
sistema nervoso e mesmo levar à morte, se não for tratada adequadamente.
Segundo
os dados do boletim, entre 2010 e 2020, o número de casos confirmados de
sífilis no Brasil saltou de 3.936 para 115.371 – valor 29 vezes maior. Uma das
explicações para esse crescimento é que a doença passou a entrar na lista de
notificação compulsória em 2010 (a cada novo caso, a secretaria de saúde do
município precisa informar as autoridades sanitárias). Além disso, com os
avanços no tratamento do HIV/aids tornando a doença crônica, houve um relaxamento
no uso dos preservativos de barreira (camisinhas) nas relações sexuais.
“Nos
anos 1990, as pessoas se protegiam mais porque tinham muito medo da aids, uma
doença que deixaria manifestações clínicas visíveis e poderia levar à morte.
Com os avanços do tratamento, as pessoas relaxaram no comportamento sexual,
embora ninguém queira ter aids. Mas hoje não é mais aquele desespero, aquela
sensação de finitude de vida. O problema é que não é apenas o HIV que se
transmite por relação sexual. Existem outras doenças sexualmente transmissíveis
e as pessoas se expõem sem cuidados”, alerta a infectologista Tânia Vergara,
consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e coordenadora do
Comitê de Terapêutica de HIV/aids da SBI.
A
sífilis é uma infecção sexualmente transmissível causada pela bactéria
Treponema pallidum. Pode ser repassada também por meio de transfusão ou pelo
contato direto com sangue contaminado, e de mãe para filho (transmissão
vertical) na gestação. É uma doença curável, com tratamento barato e disponível
no SUS – feito por meio da penicilina benzatina (Benzetacil é o nome
comercial mais conhecido), que chegou a correr riscos de desabastecimento
mundial e é considerado o medicamento mais eficaz no tratamento da enfermidade.
Impacto da Covid-19
Outro
fator que pode favorecer o aumento da sífilis é a falta de acesso ao
diagnóstico e tratamento adequados — especialmente durante a pandemia — quando
muitos postos e unidades básicas de saúde interromperam os atendimentos
ambulatoriais para se dedicarem exclusivamente aos casos de Covid-19.
De
acordo com Vergara, é preciso investir no diagnóstico precoce da doença, para
que o tratamento seja rápido. Isso porque, segundo ela, uma pessoa infectada
pode ficar semanas e até anos sem nenhum sinal visível da doença e continuar
transmitindo sem saber.
Em
geral, após a contaminação, surge uma pequena lesão ulcerativa na genitália (no
pênis dos homens ou nos pequenos lábios das mulheres), mas ela desaparece
espontaneamente, passando uma falsa sensação de cura. Mais tarde, podem surgir
pequenas manchas vermelhas, geralmente associadas a possíveis alergias. Assim,
na maioria dos casos, o indivíduo só descobre a doença em fases mais avançadas.
O
diagnóstico precoce é possível por meio de um teste rápido – que está disponível
gratuitamente em qualquer unidade básica de saúde — ou por meio de um exame de
sangue de rotina. “A pessoa não precisa ir a um infectologista para receber um
pedido de exame de sífilis, HIV, hepatite. Todo médico deveria pedir esses
exames nas consultas de rotina”, avalia a especialista, que acrescenta: “É
muito difícil convencer as pessoas a mudarem o comportamento sexual (como usar
preservativo de barreira em todas as relações sexuais, por exemplo). Por isso é
tão importante fazermos o diagnóstico precoce.”
O
boletim do Ministério da Saúde aponta também que, no ano de 2020, o Brasil
registrou 22.065 casos de sífilis congênita (transmitida de mãe para filho) e
186 mortes. “Já que esta é uma doença que pode ser diagnosticada precocemente
na mãe, ao ser tratada neste momento, não será transmitida para o bebê”,
ressalta Tânia.
Ressurgimento da doença
Nos
últimos anos, os números de sífilis vêm aumentando não apenas no Brasil, mas no
mundo todo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que existam
12 milhões de pessoas com a doença.
A
preocupação com o aumento de casos fez pesquisadores da Escola de Higiene e
Medicina Tropical de Londres, do Instituto Wellcome Sanger e da Agência de
Segurança de Saúde do Reino Unido mapearem o ressurgimento da infecção para
tentar compreender o atual cenário mundial. O estudo “Global phylogeny of
Treponema pallidum lineages reveals recent expansion and spread of contemporary
syphilis”, publicado no periódico científico Nature Microbiology, mapeou dados
de como a cepas da bactéria estão se movimentando geograficamente.
Os
pesquisadores analisaram 726 amostras de sífilis de 23 países e identificaram
duas linhagens predominantes (Nichols e SS14), que circulam em 12 deles. Além
disso, eles constataram que as amostras eram quase idênticas àquelas presentes
em 14 países, o que sugere evidências de transmissão generalizada e de forma
regular das cepas no mundo todo, confirmando o “ressurgimento” da doença.
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Estudos
que determinam as cepas circulantes são importantes porque podem servir de base
para novos medicamentos, caso se tornem resistentes aos tratamentos disponíveis
– o que não é o caso, segundo a infectologista Vergara. “Até o momento, não
existe Treponema resistente à penicilina. Mas estudos desse tipo são importantes
para buscarmos o plano B, caso a bactéria se torne resistente”, diz.
(Fonte: Agência Einstein)
Imagem da capa: Pixabay
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